O Mach 5 brasileiro

08/05/2008 0 Por Surya

VW construiu concept car nos anos 80


Os carros de hoje do mercado brasileiro estão acostumando seus motoristas
com muitos equipamentos de conforto e tecnologia. Ar condicionado, vidros
elétricos, ajuste elétrico de bancos, piloto automático, motor de 16
válvulas, injeção eletrônica…
Mas na década de 1980, ainda a triste época das “carroças”, quase tudo isso
era sonho. Viviam-se os anos da famigerada reserva de mercado de
informática, que enriqueceu muitos empresários espertalhões, e como toda
política de reserva de mercado, revelou-se um verdadeiro regime de
apartheid. O Brasil ficou incrivelmente atrasado em relação ao resto do
mundo, e demorou anos para se recuperar.
O ano era 1984, e os tempos eram de promessas, com o fim do regime militar
que submeteu o país a duas décadas de ditadura. Tempos de abertura,
felizmente indo contra ao 1984 da ficção de George Orwell. No campo
automobilístico, era ano de Salão do Automóvel de São Paulo, e o grande
destaque foram os carros de sonho.
A Ford trouxe o Probe IV, um sedã quatro portas com aerodinâmica melhor que
o caça F-15. A GM trouxe o Citation IV e o Lean Machine, este último um
triciclo em forma de ovo, para apenas um ocupante, que inclinava a parte
dianteira como uma moto.

src=http://www2.uol.com.br/bestcars/carros/vw/antigos/santana-cd-84-1.jpg

Mas a VW, líder do mercado havia anos, primeiro com o Fusca e depois com o
Gol, estava em um tempo de transição, tendo lançado havia pouco o Santana,
seu primeiro carro grande e de luxo. O Santana era, na verdade, a versão
sedã do Passat alemão, e na Europa esse nome logo foi abandonado.
A fábrica já havia apresentado um ano antes um carro conceito, inspirado na
versão sedã do Gol, o Voyage. Mas o que os técnicos brasileiros da montadora
fizeram na fábrica de São Bernardo do Campo, tomando por base o Santana, foi
o mais espetacular carro conceito jamais criado no Brasil.

src=http://www.vwsantana.net/modelos/especiais/tecno2/img01.jpg

Esse veículo, um Santana duas portas batizado como Tecno II, recebeu
componentes importados que eram absoluta novidade na época. O motor 1.8 de
16 válvulas, 4 por cilindro, e injeção eletrônica, veio do Golf alemão. A
tração nas quatro rodas permanente veio do Audi Quattro, que na época
dominava as competições de rali, e o painel digital também veio desse
modelo. E o Tecno II contava ainda com televisão e computador de bordo, em
1984!

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Um verdadeiro modelo de sonho. No Salão, realizado como hoje no Anhembi, o
carro ficou sobre uma plataforma elevada, e por baixo do mesmo um espelho
exibia os componentes da tração integral. E a pintura preta metálica com a
parte inferior prata, e interior vermelho (Com bancos com regulagem elétrica
e memória, coisa rara ainda hoje), eram mais detalhes que o tornaram uma das
grandes atrações do Salão.

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A extinta e saudosa revista Motor 3, uma das melhores publicações do mercado
brasileiro (Que testava carros, motos e até aviões), em sua edição de
janeiro de 1985 apresentou um especial com as grandes atrações do Salão de
1984, e logicamente a grande estrela foi o Tecno II. Os jornalistas da
revista andaram com o belíssimo carro por ruas e estradas, e constataram que
era um modelo digno do exigente mercado europeu.
O grande destaque era a tração nas 4 rodas em um carro para asfalto. Na
Europa ainda hoje se produzem carros assim, com a neve tornando óbvias as
vantagens desse tipo de mecânica. E aqui, com terra, barro e chuva, a tração
integral também seria muito útil. Mas nenhum carro é produzido no Brasil com
essa opção.
A tração integral fora desenvolvida primeiro pela Audi no modelo Quattro, o
primeiro do tipo a ser campeão mundial de rali. Na verdade o conjunto que
equipava o Tecno II era a versão VW denominada Syncro, com um tipo diferente
de suspensão traseira. Em comum os três diferenciais, e aqui vale abrir
espaço para um conteúdo técnico.

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O diferencial é um conjunto de engrenagens que controla as rotações das
rodas de tração de um carro. Como a roda interna e a externa, em uma curva,
percorrem distâncias diferentes, é necessário o diferencial para que uma
roda não acabe “arrastando” ou derrapando. Com a tração nas quatro rodas
permanentemente ligada, como a do tipo Audi, é necessário um diferencial
central, além do dianteiro e traseiro, a fim de compensar pela diferença de
rotação entre os dois eixos.
O resultado foi um carro de comportamento imensamente superior aos Santana
de linha, com o qual os jornalistas chegaram a atingir mais de 180 km/h. Por
cima, entre os luxos já descritos, havia um controle remoto para travar as
portas a distância. Hoje é comum, mas na época… Havia uma central em um
pequeno painel no teto, para informar caso ocorresse qualquer problema
mecânico, e segurem-se: ele tinha sintetizador de voz. O carro falava!
É, quase um KITT brasileiro!

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Um carro simplesmente fantástico, muito a frente de seu tempo, e com
equipamentos que demorariam ao menos uma década para chegar aos
consumidores! Cheio de truques, quase como o Mach-5 de Speed Racer, o Tecno
II, construído em apenas um único exemplar, deve estar armazenado junto a
outros protótipos da VW do Brasil em algum galpão. Algumas fontes dão conta
de que a montadora pretende em breve implantar um museu em suas instalações,
e seguramente o Tecno II seria uma das jóias mais preciosas da coleção.
Bem, não custa sonhar também, Santanas dos anos 80 existem aos montes por
aí, e a importação de automóveis e autopeças já é uma realidade. Algum fã
endinheirado bem poderia construir uma réplica, ou será que não? Caso isso
aconteça, por favor avise a nós aqui no Aumanack!
Tecno II, em plena época das famigeradas carroças, um carro de sonho
legitimamente brasileiro!