“Corra!” e a desconstrução do estereótipo do filme do Oscar

“Corra!” e a desconstrução do estereótipo do filme do Oscar

07/02/2018 0 Por Alan Uemura

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*Texto escrito pelo cineasta Daniel Bydlowski para o Portal IG

Lembro quando o filme Jogos Mortais estreou em 2004, dando arrepios no público do começo ao fim. Não somente este filme ofereceu aquilo que os amantes do gênero buscam, o medo, mas também terminou com um final surpreendente que muitos não esperavam. Saindo do cinema, era possível ouvir os espectadores dizendo que o longa merecia ser indicado ao Oscar.

Considerações sobre o sucesso ou a qualidade do filme à parte (a franquia de Jogos Mortais continua viva ainda hoje), se nem mesmo Psicose, que é um clássico do cinema de horror dirigido por Alfred Hitchcock, conseguiu a estatueta, fica difícil imaginar que Jogos Mortais teria qualquer chance. Isto porque o Oscar dava preferência não a filmes de horror ou comédia, mas sim ao drama, especialmente se o enredo também contasse com um tom histórico que levasse a plateia a tempos passados.

Cena do filme Corra! indicado ao Oscar 2018

Mesmo com certas exceções, o gênero do horror parecia não ter chance… até hoje. Corra!, dirigido por Jordan Peele, já faz parte da previsão de quais filmes terão mais chance de concorrer, algo muito difícil de acontecer anos atrás. Mas, por que agora? Quais são as razões por trás destas mudanças?

Alguns críticos dizem que a presença de Corra! no Oscar é baseada em mudanças políticas, já que a trama central do filme é fundamentada em um afrodescendente seduzido e sequestrado por uma família maníaca que tem como objetivo algo não muito longe de uma ficção científica (para não dar nenhum spoiler).

Porém, a presença de gêneros antigamente ignorados pela academia vai muito além da política ou da própria constituição de seus jurados (que vem mudando nos últimos tempos) e vai até o próprio mercado cinematográfico.

Cena do filme Corra! indicado ao Oscar 2018

Mesmo antes da internet, o mercado de nicho já era mais do que conhecido por empresários e marqueteiros. Porém, com a internet e as mídias sociais, ficou não somente mais fácil de defini-los, mas como também impossível de ignorá-los. As mídias sociais focam a atenção no indivíduo e em seu grupo específico, sendo quase, senão o total, oposto da mídia tradicional, que era idealmente esquematizada para a população em geral.

O próprio cinema começa então a se fragmentar para dar atenção a grupos menores e específicos, especialmente quando serviços de streaming de vídeo fazem sucesso por conseguir personalizar os gostos pessoais de cada um de modo automático pelo logaritmo de seus sites. Até mesmo Chris Rock, apresentando o Oscar de 2016, usou esta fragmentação como comédia quando entrevistou afrodescendentes que nunca tinham ouvido falar dos filmes nomeados à premiação daquele ano. Porém, quando perguntava de Straight Outta Compton: A História do N.W.A., filme sobre afrodescendentes, os mesmos respondentes imediatamente reconheciam o título, embora este não tenha sido nomeado. Mesmo que esta entrevista tenha sido planejada como uma piada, ela aponta para esta fragmentação no gosto dos espectadores que vem acontecendo nos últimos tempos.

Diretor do filme Corra! Jordan Peele

No ponto de vista do Oscar, qual a importância histórica de um filme que, embora feito para o público moderno de gostos fragmentados, agrada a população em geral e bate vários recordes de bilheteria?

É a habilidade de atrair interesses tão diferentes que faz com que seja natural falar de Corra! como um potencial participante do Oscar, mesmo quando os gêneros do horror, comédia e ficção cientifica (todos fazendo parte de Corra!) eram antes colocados em segundo lugar pelo drama.

Daniel Bydlowski é cineasta brasileiro e artista de realidade virtual com Masters of Fine Arts pela University of Southern California e doutorando na University of California, em Santa Barbara, nos Estados Unidos. É membro do Directors Guild of America. Trabalhou ao lado de grandes nomes da indústria cinematográfica como Mark Jonathan Harris e Marsha Kinder em projetos com temas sociais importantes. Seu filme NanoEden, primeiro longa em realidade virtual em 3D, estreia em breve.