Sesc Pompeia faz a estreia de Nossos Mortos, do grupo Teatro Máquina, de Fortaleza-CE

04/04/2018 0 Por Surya

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Espetáculo busca intersecções entre o massacre de Caldeirão de Santa Cruz do Deserto, em Crato-CE, com a tragicidade exposta no mito de Antígona

Figura 1 Cena de Nossos Mortos, do Teatro Máquina – Foto de Luiz Alves

 

“Neste exato momento, nós aqui estamos vivos, enquanto outros de nós estão mortos. Desses outros de nós que estão mortos, alguns foram velados, enterrados, sepultados e talvez cumpriram, assim, seus rituais terrenos, mas muitos desses outros de nós que estão mortos não foram velados, enterrados ou sepultados e, sequer, tiveram seus corpos encontrados. (…) Quem são nossos mortos?” Trecho da dramaturgia de Nossos Mortos

Teaser: http://www.vimeo.com/teatromaquina/nossosmortos

Estreia dia 6 de abril de 2018, no Sesc Pompeia, o espetáculo “Nossos Mortos”, com direção de Fran Teixeira, do grupo Teatro Máquina, de Fortaleza/CE. Além da curta temporada em São Paulo (até 15 de abril), a companhia oferece a oficina “Bases Improvisacionais para o Corpo e a Voz no Espaço de Criação” com a cantora e pesquisadora Consiglia Latorre.

O Teatro Máquina é um grupo teatral nascido em Fortaleza, CE, em 2003. Em 15 anos de trabalho, comemorados agora em 2018, uma característica se consolida na trajetória da companhia: a de propor e vivenciar processos criativos intensos. Dessa forma também nasceu Nossos Mortos, oitava peça do repertório do grupo.

O espetáculo surgiu do desejo de aprofundar e desenvolver algumas das experimentações realizadas durante uma expedição de 28 dias por três regiões do semiárido nordestino em 2015. Nessa viagem, questões que envolvem os massacres de Caldeirão de Santa Cruz do Deserto, no Crato-CE e deCanudos, no sertão da Bahia, se fundiram à tragicidade exposta no mito de Antígona. Ao abordar os extermínios e fazer paralelos com o mito grego, despertou no grupo o interesse no desenterrar as inúmeras histórias brasileiras que ainda precisam ser contadas, assim como precisam ser devidamente sepultados os corpos abandonados de seu povo.

Sobre o massacre ocorrido em 1937 – ano em que Getúlio Vargas liderou um golpe que garantiu a sua permanência na presidência da república e instituiu uma severa ditadura no país – os moradores da comunidade de Caldeirão foram denunciados e acusados de praticar o comunismo. Tropas do governo federal e da polícia militar do estado do Ceará invadiram e bombardearam a localidade, deixando um saldo de milhares de mortos, enterrados em uma vala comum (nunca localizada). Pesquisadores julgam que o episódio pode ter sido o maior massacre da história brasileira.

A pesquisa do Teatro Máquina trata de dar forma à tragicidade exposta no mito de Antígona, a partir da versão clássica de Sófocles. A abordagem enfatiza a defesa do direito natural de sepultamento, quando o Estado se omite ou infringe a tradição. Aprofundando relações com outras versões do mito nas traduções e releituras dos dramaturgos Friedrich Hölderlin, Bertolt Brecht, José Watanabe e Ângela Linhares, foram recolhidos também alguns documentos históricos de alguns massacres a movimentos populares, como o do Caldeirão da Santa Cruz do Deserto, na cidade de Crato (CE).

Sobre o processo de pesquisa e criação

Em Nossos Mortos, o Teatro Máquina pretende dar luz às relações intertextuais das variadas versões de Antígona e dos estudos e crônicas que analisam e descrevem o massacre do Caldeirão de Santa Cruz do Deserto, no Ceará. Analisar como os movimentos de resistência populares no sertão nordestino se formam, como a ideia de rebelião se inaugura, como os dispositivos sociais urgentes – fome, exclusão, exploração, interesses políticos e desejos de salvação – são estopim para o nascimento de lideranças populares no Nordeste brasileiro.

A partir da transversalidade dessas questões, o Teatro Máquina se debruçou sobre o cerne de Antígona, a tragédia das irmãs diante da morte de seus irmãos, em paralelismo ao desdobramento das rebeliões populares em suas lideranças e suas formas de resistência e massacre. Ao manipular o material coletado e elaborar o pensamento a partir disso, o grupo observou como a guerra, a intransigência e a violência estão na base da formação e do desenvolvimento de um povo.

Desde 2016 o material produzido na viagem pelas regiões do semiárido nordestino foi sendo revisto para a concepção de Nossos Mortos. Em junho de 2017, quando o projeto foi selecionado no Laboratório de Teatro do Porto Iracema das Artes, do Governo do Estado do Ceará, Tânia Farias, artista da Tribo de Atuadores Ói Nóis Aqui Traveiz, passou a desenvolver um trabalho de tutoria junto ao grupo.

Recorrentes voltas ao Cariri para conhecer mais de perto as vozes das cantoras e cantores de defuntos, colher letras e ritmos, entender mais sobre o que está relacionado à história e ao massacre do Caldeirão. Assim fez o Teatro Máquina, em viagens entre Juazeiro do Norte, Cariri, Crato e Barbalha para acompanhar a Romaria de Finados.

Dessas idas e voltas ao interior do Ceará, a companhia conheceu Di Freitas, multiinstrumentistista e luthier, e o grupo Cantares D’alma. Assim foram sendo colhidas parcerias e muitas referências musicais para o trabalho. No retorno à Fortaleza, a colaboração de Tânia Farias e  dos músicos Consiglia Latorre, Ayrton Pessoa e Di Freitas – com a proposição de múltiplas sonoridades vocais e fúnebres, além da introdução da rabeca de cabaça no trabalho – foram fundamentais para o resultado artístico em Nossos Mortos.

Sobre o Teatro Máquina

Nascido em 2003 em Fortaleza, no Ceará, o Teatro Máquina está há 15 anos desenvolvendo processos criativos intensos, no encontro com o texto e as ideias como espaço de exploração, na investigação do corpo e a presença, o gesto em sua decupagem, a palavra como imagem.

O trabalho do grupo está pautado em construir e sistematizar princípios formais de composição, explorando o gesto (em sua construção, definição e separação) e a noção expandida de narração (como contraponto aos elementos dramáticos). A linguagem narrativa, os aspectos épicos e diferentes modelos de composição gestual e vocal são testados e revistos continuamente.

A companhia tem procurado trabalhar em três frentes convergentes: a formação, a produção e a ação política. As formas de trabalho operam em partilha e contágio e para isso mantém um repertório e uma sede em Fortaleza, a Casa da Esquina, onde desenvolvem atividades formativas, bem como a criação de espetáculos.

Sobre a oficina

A oficina pretende trabalhar a partir de cinco objetos de investigação: presença, corpo, espaço, som e palavra. As estratégias de abordagem desses objetos falam sobre o encontro do grupo com a cantora e pesquisadora Consiglia Latorre e sua investigação sobre sonoridades múltiplas. A oficina se baseia, portanto, nos motores experimentados com Latorre no trabalho improvisacional e na criação do novo espetáculo do grupo, Nossos Mortos. As inscrições acontecem até o dia 7 de abril – para se candidatar a uma das vagas, o interessado deve enviar e-mail para oficinascenicas@pompeia.sescsp.org.br com o assunto “Bases improvisacionais”.

Sinopse

Em Nossos Mortos, novo trabalho do grupo, o Teatro Máquina (Fortaleza-CE) traz a voz de Antígona articulada às inúmeras histórias dos massacres a movimentos populares, especialmente o Caldeirão da Santa Cruz do Deserto, em Crato, Ceará. Antígona é uma tragédia sobre uma irmã que deseja enterrar o irmão e sobre o tio dela, agora feito general, que a impede de enterrá-lo. É também sobre como o palco da política está infestado com o cheiro podre dos cadáveres esquecidos. Nesse espetáculo o grupo explora a fala, o canto e a ambiência sonora, a partir das sonoridades fúnebres sertanejas.

 

Ficha Técnica

Com Ana Luiza Rios e Loreta Dialla

Direção: Fran Teixeira

Produção: Teatro Máquina

Direção Musical: Ayrton Pessoa Bob e Consiglia Latorre

Preparação musical: Consiglia Latorre

Acompanhamento musical e rabeca de cabaça: Di Freitas

Música e som ao vivo: Ayrton Pessoa, Di Freitas e Levy Mota

Preparação corporal: Fabiano Veríssimo e Márcio Medeiros Figurino: Diogo Costa

Cenografia: Frederico Teixeira
Assistência de cenografia: Marina de Botas

Desenho de luz: Walter Façanha

Fotos: Luiz Alves

Desenhos: Marina de Botas e Simone Barreto

Serviço

peça
Nossos Mortos
Teatro Máquina (CE)

6 a 15 de abril de 2018, sextas-feiras e sábados, às 21h; domingo, às 18h.
Local: Teatro*
Ingressos:
 R$ 7,50 (credencial plena/trabalhador no comércio e serviços matriculado no Sesc e dependentes), R$ 12,50 (pessoas com +60 anos, estudantes e professores da rede pública de ensino) e R$ 25,00 (inteira).

Duração: 70min

Venda online a partir de 27 de março, terça-feira, às 12h.
Venda presencial nas unidades do Sesc SP a partir de 28 de março, quarta-feira, às 17h30.
*O Teatro do Sesc Pompeia possui duas plateias (lados par e ímpar) e galerias superiores não numeradas. Por motivo de segurança, não é permitida a permanência nas galerias, de menores de 12 anos, mesmo acompanhados dos pais ou responsáveis

Classificação indicativa: Não recomendado para menores de 16 anos.